domingo, 1 de agosto de 2010

Coisas do amor

E mais de uma década se passou desde daquela tarde quando eu a vi pela primeira vez naquele banheiro no fundo do quintal. Um corpo pequeno, frágil, quase totalmente despido e de proporções distorcidas. Praticamente a cópia do pequeno ET que tenho grudado na porta da minha geladeira. Exceto pelo tom esverdeado, é claro. Era tão feinha, perto da exuberância exibida por sua irmãzinha, siamesa mestiça, já com lindos e sedutores olhos azuis. Mas foi amor à primeira vista. Arrebatador. A sensação e a imagem deste dia estão gravadas em contornos profundos na minha alma. Maluca é um dos amores da minha vida. Foi minha fiel companheira por 11 anos. E até na morte, há exatos 1 ano, assim permaneceu. Sua curiosidade e resmunguice eram cativantes. Mesmo para aqueles que não gostavam de gatos, por desconhecimento ou falta de apreço.

Dizem por aí que cada vez mais as pessoas exageram no amor por seus animais de estimação. Dizem ainda que se trata de um tipo de relação que visa sanar problemas de afetividade, carências de vidas vazias de relações humanas satisfatórias. Pode até ser que o estereótipo das pessoas, insanas, solitárias e que vivem somente com seus animais, seja a expressão de um mundo de perdas, abandonos e vazios. Mas será que é mesmo? Tá, posso concordar em vários aspectos que as carências humanas tem transformado os animais em brinquedinhos vivos, não só pelos solitários, mas para aqueles que moram com sus próprias famílias. Por outro lado, fico me perguntando se é possível descartar a existência de um amor mais pleno pelos seres. Andem eles em duas pernas ou quatros patas.

O sentimento que Maluca me despertou é do mesmo tipo que me despertam certas pessoas. São os múltiplos amores de minha vida. Eu quero estar com eles, protegê-los, incentivá-los, deixá-los livres, mostrar e compartilhar com o mundo o quanto esses amores são para mim a completude. Não importa se é amizade, se é romance, se é eterno ou passageiro, se é homem, mulher ou animal minha afeição, dedicação, meus pensamentos e orações são igualmente plenos. E a saudade também assim o é. Particularmente hoje, a minha saudade se avolumou daqueles que agora só me permitido reencontrar através das memórias.



Eu não sei explicar, porque algumas palavras me parecem sempre reduzidas perante a intensidade desse tipo de sentimento. Mas veio a mente Milan Kundera na belíssima reflexão do amor que sua personagem Tereza sentia pela cadela Karenin quando esta morreu. Embora eu me debulhe em lágrimas toda a vez que leio, é uma das minhas partes prediletas do livro. De certa forma, me reconheço nesse amor:

"[...] Tereza aceitou Karenin tal qual é, não procurou transformá-la para que ficasse semelhante a si própria, aceitou de antemão seu universo de cachorra, não quer lhe confiscar nada, não sente ciúmes de seus desejos secretos. Se a educou, não foi para mudá-la (como um homem quer mudar sua mulher e uma mulher seu homem), mas apenas para lhe ensinar a linguagem elementar que lhe permitisse se compreender e conviver. E mais: seu amor ao cão é um amor espontâneo, não foi forçado por ninguém. [...] O amor entre o homem e o cão é idílico. É um amor sem conflitos, sem cenas dramáticas, sem evolução." (A insustentável leveza do ser)

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